quinta-feira, 4 de agosto de 2011

NA LUZ DOS OLHOS SEUS...


Sempre achei que alguns fatos ocorrem nas nossas vidas, em forma de lição.
Cabe a cada um compreender, ou passar batido sem ligar para o “toque” dado pelo aparente acaso...
Sou advogada e moro no Rio de Janeiro. Por conta desse fato, freqüento o Fórum algumas vezes por semana, saindo quase sempre aborrecida, pela morosidade da justiça, pelos erros, burocracia do sistema judicial brasileiro, injustiças, etc...
Esse fato não é recente, deve ter uns 4 ou 5 anos, porém me marcou profundamente.
Era uma sexta-feira, inverno, 18 horas e chovia. Só quem conhece o centro do Rio, sabe o que significa todos esses itens juntos. Algo parecido com a filial do inferno, pois centenas de pessoas, e seus guarda-chuvas, desejam ir para casa, e acabam cercados por um mar de veículos engarrafados, com ambulantes oferecendo mais guarda-chuvas aos gritos.
Só em imaginar o que me esperava do lado de fora do prédio do Fórum, meu humor não era dos melhores. Preparada para o que me aconteceria: o metrô cheio e o sonho de chegar a casa tomar banho, encontrar a família, esperar meu jantar, ver TV deitada ou mesmo ler um livro, já me davam certo conforto, em enfrentar a guerra que eu tinha pela frente.
Ao abrir meu guarda-chuva, já na rua, percebi uma mulher ao meu lado - ela também tinha saído do Fórum e trazia uma menina de uns 3 anos no colo, com sua bolsa e a mochila da criança. Tal fato é comum, pois o Tribunal de Justiça carioca mantém uma creche para os filhos dos funcionários. Diante dessa mãe funcionária “atrapalhada”, perguntei se não queria uma ajuda para abrir o guarda-chuva.

Ela aceitou e só na entrega do guarda-chuva aberto, eu vi. Ela era cega, totalmente cega das duas vistas.
Meu impacto foi tamanho que não consegui me mover. Olhei aquela mulher, a criança que nesse momento cantava uma musiquinha infantil, e vi que ela ainda sorria...
Um pouco refeita, perguntei para onde ela iria; me respondeu que para Avenida Rio Branco, uma artéria importante, onde passam várias linhas de ônibus.
Ela morava em Santa Tereza, um bairro próximo do Centro, e iria tomar o ônibus para casa. Disse que era meu caminho, também, e era verdade, pois minha estação do Metrô fica na própria Avenida.
Perguntei se podia segurar seu braço e ficamos num único guarda-chuva, por ser mais prático para nós duas.
Ela tinha um ótimo humor, e era dona de um sorriso lindo. Foi falando em que cartório trabalhava, que era casada, que ainda faria jantar, cuidar da menina, organizar a casa para o fim de semana... Enquanto ela falava, eu, em silêncio, chorava. Fico imaginando as pessoas que cruzaram com a gente, vendo tal cena. Duas mulheres, uma criança feliz, um guarda-chuva, e eu totalmente molhada, e em lágrimas...
Fiquei com medo de ela perceber minha voz embargada, e ficar constrangida, achando que eu estava com pena dela. Porém era exatamente o contrário: eu estava com vergonha de mim, pena dos meus aborrecimentos pequenos que me preocupavam tanto, diante dessa mulher tão superior e mais forte do que eu.
Imaginava a minha falta total de coragem diante de dois olhos apagados, com meu filhote no colo, podendo ter a criança arrancada dos meus braços.
Ela era uma vitoriosa, alegre, feliz, confiante, especial e eu ali, pequena, medrosa diante dos meus olhos que enxergam perfeitamente, mas que às vezes esquecem de ver a alma dos outros, e pensa egoistamente somente em si.
Ficamos esperando o ônibus, que chegou cheio, ajudei a subir e fiquei parada na calçada olhando a partida do ônibus. Ninguém deu lugar para ela, todos, talvez, cegos de solidariedade ou fechados em seu mundinho individual.
Segui meu caminho, pensando nela, em tudo que tinha aprendido com aquele encontro, tentando me fazer uma pessoa melhor, colocando meus “probleminhas” num universo bem menor. Querendo não me amargurar por tão pouco, aborrecer por pequenas coisas, não perder a doçura por quase nada e viver uma vida mais plena de afeto, pelo meu semelhante.