sábado, 19 de fevereiro de 2011

POIS É...

Como pertencer a três culturas diferentes?
Não sei explicar, só sei sentir... Aconteceu comigo. Nasci de família espanhola e portuguesa, na cidade do Rio de Janeiro, vivendo a infância e adolescência diretamente ligada às colônias dessas duas culturas, só escapando desse convívio quando ia à escola, pois, até os Clubes, eram portugueses, e o contato era constante. Na universidade, na qual cheguei bastante jovem, meu contato com o Brasil se solidificou.
Aprendi a ter um olhar diferente, um pouco estrangeira, sempre...
Portugal me deu o homem mais doce, carinhoso, romântico, fiel, que eu conheci; meu avô paterno. Com ele aprendi os versos de Camões, a entender as óperas, a rezar, a ouvir histórias sobre a família. Ele amava tanto a sua pátria que tinha, em seu quarto de dormir, a bandeira de Portugal. Diante da exigência do Ministério do Exército, onde trabalhou e comandou inúmeras obras, algumas com mais de 200 operários, de que ele se naturalizasse, ele declinou do “convite”, e se aposentou... Ele era um homem fiel.
Até hoje vejo Portugal com um olhar comovente. Essa Terra me emociona, sou capaz de parar na rua para observar os imigrantes portugueses, que aqui vivem, todos já idosos, só pra matar a saudades dos meus, que já se foram.
Quando viajo pra lá, quem vai é a portuguesa Nádia. Entendo tudo; a sinceridade diretiva, uma certa desconfiança, as queixas sobre tudo, etc... Sem dúvida Portugal é meu Porto Seguro. Só uma coisa me deixa triste: Acharem que sou brasileira, mas eu compreendo, também, isso... rs
Chegar à minha aldeia é rever um mundo que me pertence. Terra que dança ao som das minhas lembranças ancestrais. Fico a imaginar meus antepassados, provavelmente, servos de algum senhor feudal vivendo naquela região. Como num quadro, eu saio da moldura e faço a minha viagem interior, me imaginando aquela camponesa que ainda está presente no meu DNA.
Quanto mais eu compreendo Portugal, mas entendo o Brasil.
A Espanha vive em mim de maneira diferente. Ela está mais ligada à sensualidade, à música, à língua, aos aromas, à gastronomia.
Sou profundamente espanhola; amo as músicas que aprendi na infância, minhas castanholas, essa “guerrinha” de Espanha contra Portugal, apenas por motivos banais... rs
Amo, também, essa paixão, a intensidade, o querer espanhol. Meu jeito feminino é Espanhol. Modo de maquiar os olhos, o baton, cabelos sempre soltos e longos, ombros de fora, o gostar de lenços. Talvez, o estereótipo da mulher espanhola. Uma coisa que remonta aos celtas, ciganos, árabes e sefaraditas, que bailam nos meus genes, avisando que ali tem uma babel correndo em minhas veias.
A Espanha é o meu mistério. É o saber que aquele pueblo da minha família, acabou, pois todos imigraram. Que minha família em Madri sabe menos sobre a Espanha que eu. Que vivo a pesquisar minhas origens e as histórias familiares.
Nessas origens eu encontro a mulher que sou. Nas mulheres fortes da família, que não tinham meu humor, mas que seguraram todas as barras de uma guerra civil, perda de filhos, imigração, e separações de familiares, vejo o quanto eu posso crescer e ser plena.
Que as enxurradas na vida, não derrubam grandes árvores, pois elas têm raízes fortes, e que um dia elas dão frutos e, um desses frutos, sou eu.
Meu primo espanhol me disse, na última vez que lá estive, que tenho um “olhar espanhol”; perguntei o que significava isso. Ele, simplesmente, respondeu que era aquele olhar que vê tudo, mas só revela o que interessa... Enfim, é o meu mistério...
Bem, depois dessa viagem européia, acontece um país tropical. Caí de paraquedas nessa família imigrante, num 21 de novembro, quase verão, nos braços apaixonados de uma babá negra e, através dessa mulher divina, eu conheci o Brasil.
Ela foi meu colo brasileiro. Minha mãe dizia que era como café e leite. Eu “rubia”, ela profundamente negra, e eu só dormia embalada nos seus braços. Até hoje, no meu aniversário, ela me telefona, e me chama de “minha branquinha”. Sem dúvida, agradeço a essa maravilhosa mulher, pelo amor, carinho, ternura, que me acompanhou até aos meus oito anos, quando ela saiu da casa dos meus pais, fazendo um casamento lindo, onde eu fui sua dama... Enfim, coisas do Brasil.
No Rio de Janeiro, sou a carioca, que anda no calçadão, bronzeada o ano inteiro, que tem cabelos dourados pelo sol e mar, com sotaque, dona do jeitinho brasileiro de ser, mas que trabalha muito, porém, mantém aquele ginga alegre, pois ela é fruto dessa terra.
Através do Brasil conheci a dura realidade das diferenças sociais, sai do meu sonho encantado de menina bem nascida, para as verdades das ruas.
Consegui ter um olhar crítico das nossas mazelas, sem ser paternalista, mas com muita compaixão, por saber que temos um povo sem grandes oportunidades na vida.
Aprendi com meus alunos, em escolas carentes, o outro lado da vida. Recebi deles muito mais do que dei. Aprendi a amar mais e mais esse país lindo, mas cheios de contradições. Compreendi suas diferenças, interpretei seus defeitos, qualidades, algumas vezes com olhar estrangeiro, outras vezes com o olhar do coração.
Somos sempre um mosaico, e é isso que nos faz tão interessantes como pessoas.
Transito bem por essas três culturas, fazendo sempre uma leitura do meu amor por esse mundo.