terça-feira, 12 de abril de 2011

PARA NÃO MAIS ESQUECER...


Conhecer certos fatos, saber do acontecido, é bem diferente de se vivenciar, no local, um determinado feito, seja ele histórico, ou mesmo familiar, pessoal... Como descendente de imigrantes, fui algumas vezes às aldeias de minha família, e lá, mesmo em tempo atual, pude vivenciar os fatos contados pelos meus pais, ou mesmo imaginar como era a vida por aquelas paragens.

Estou em viagem pelo leste Europeu. Pelos motivos óbvios, alguns países dei um tempo de conhecer, pois recém saídos do regime comunista, pouco tinham a oferecer, a não ser uma infra-estrutura precária de turismo, e problemas com a língua, já que poucos falavam inglês, o que dificultaria totalmente a comunicação. Algo que adoro fazer, apesar do meu filhote dizer: “mãe, você se comunica em todas as línguas do planeta”...rs

Brincadeiras à parte, aqui estou eu na Polônia, país que conhecia através de amigos descendentes de poloneses, e um pouco da história.

Cracóvia me surpreendeu pela alegria, juventude de seus habitantes, colorido, efervescência, já que é uma cidade universitária.

Porém eu tinha um encontro marcado, e esse compromisso me deixava ansiosa, numa mistura de aperto no peito, e necessidade de viver isso. Um pouco de sofrimento nessa espera.

Bem, não sou uma pessoa masoquista, nem fico cultivando sofrimentos, não fujo das minhas dores, mas não tenho hábito de dividí-las. Talvez, por achar que o sofrimento seja só meu, ou mesmo pela certeza que vai passar...

Esse encontro tinha data e hora. Então, no dia 2 de abril de 2011, um domingo de primavera, numa manhã de sol preguiçoso, e de temperatura de inverno, uma Nádia calada, emocionada, mas profundamente em paz, ultrapassou os portões de AUSCHIWTZ.

O campo estava repleto, não só por ser fim de semana, como também pelos inúmeros grupos de jovens judeus, do mundo inteiro, que visitam o campo, numa forma de purgar os sofrimentos de seus antepassados.

Esse movimento chama-se “Caminhada da Vida”, pois quando acabou a guerra, e os campos foram liberados pelos aliados, os prisioneiros foram andando sem destino, numa caminhada, que tempos depois recebeu esse nome.

Lá estava eu no meio de desconhecidos, em grande maioria, judeus, mas tão emocionada quantos eles. Por incrível que pareça, aquele cenário me passou muita paz. Porém, como o inferno pode transmitir tranqüilidade? Talvez pela certeza que ele está desativado, e que seja um símbolo de algo que nunca devemos esquecer...

Começamos por salas onde nos eram explicados, que outras categorias de pessoas foram mortas no campo. Os ciganos, que eu já sabia, intelectuais poloneses, padres, homossexuais declarados, e a grande maioria de judeus, de todas as idades.

Em princípio eles vinham para o campo, na esperança que isso seria temporário, mas logo eram divididos, suas bagagens e pertences retirados, e encaminhados as câmaras de gás, ou escolhidos para trabalhar. Claro que crianças, velhos, mulheres grávidas, doentes, deficientes, eram logo mortos. O restante ia morrer lentamente, nos trabalhos forçados, na tortura física e moral, nos experimentos dos médicos nazistas loucos.

Entre as inúmeras salas repletas de bagagens, cabelos, óculos, brinquedos, roupas, tinha também os dormitórios, onde ficavam amontoados, depois de um dia de trabalhos forçados.

Na frente da guia que falava através de fones de ouvidos, fui me distanciando. E em determinado momento me separei do grupo, e sai a vagar pelas alamedas, escutando aquele silêncio, imaginando as sirenes que tocavam, no final do dia, pra contagem dos prisioneiros.

Em alguns momentos sentei nos degraus da entrada de algum alojamento, e me deixei ficar ali, numa entrega total, diante de tanto sofrimento, em nome da “purificação” de uma “raça”.

Acho que tive uma ausência total de pensamentos. Fiquei sentindo apenas no meu rosto o sol, o vento frio, olhando daquelas árvores nuas do recém inverno europeu, sob um céu azul turquesa, parecido com os do outono brasileiro.

Apenas sentir também é muito bom, e diante do inexplicável, só mesmo sentido...

Não existe nenhuma explicação cabível, diante de tanto terror. A capacidade do ser humano fazer mal a outro ser, é sem limites. O poder muitas das vezes, transformam homens em animais famintos, mas esses só matam por fome ou quando ameaçados. O homem mata por prazer...

Não tenho dúvidas que somos todos capazes de matar. No calor de uma discussão, como auto defesa, ou mesmo por imprudência e irresponsabilidade. Porém matar, durante anos, com requintes de crueldade, separando, estuprando, violentando famílias inteiras, exterminando seres que nada fizeram, apenas pela ideologia de um louco carismático, foge a qualquer entendimento, explicação política, ou mesmo razão.

Nada justifica tamanho terror, e apesar de todo conhecimento, coisas semelhantes continuam acontecendo. A guerra na Sérvia é um exemplo clássico disso.

No meu distanciamento, eu que pouco sei rezar, orei...

De dentro da minha alma, um grito calado de perdão pra aqueles que se foram, perdão pelo mal que outros os causaram, pelas marcas deixadas impressa no DNA de seus descendentes, nas lagrímas da menina judia, que eu vi chorando num daqueles corredores.

Eu, na minha solidão escolhida, pedi perdão pelos outros. Pelas dores, pelo terror...

AUSCHITWZ tem que ser mantido como um monumento de respeito à dor de seres humanos, que foram massacrados, exterminados, com requinte de crueldade, e que essa ferida jamais irá passar. Assim como as grandes dores coletivas, guerras, escravatura, tráfico de humanos, extermínio, multilação de mulheres, por algumas culturas, elas devem sempre serem lembradas, para que não mais se repitam.

Posso dizer que sai do Campo de concentração me sentindo diferente, pequena diante dos meus problemas do cotidiano, mas imensa diante da dor do outro...